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De que estavam à espera?

Não acredito numa Escola de cultura livresca, estandardizada, de instalações sem qualidade, submissa, de autonomia faz-de-conta, com turmas a abarrotar e, paradoxalmente, longas filas de professores a espreitar uma oportunidade, onde se cumprem horários de trabalho sem alma e sem sentido de pertença.

Há tempos, um estudo da Federação dos Sindicatos da Educação concluiu que, na opinião dos docentes (nove em cada dez), a indisciplina na escola tem vindo a aumentar. No essencial, valores que não me causaram espanto e apenas me conduziram a uma simples pergunta: de que estavam à espera?
Ora, quando olhamos para esta sociedade permissiva, da incivilidade tolerante, da cultura da indiferença, do desinteresse pelas gerações futuras, da facilidade, das marcas impingidas que accionam um desmesurado culto do desejo, da aparência, da ostentação, da quase obrigatoriedade de viver em permanente ilusão e comparação com os outros, de governos que definem o cimento, o asfalto e o túnel e não o Homem como primeiro objectivo e o centro das políticas, que permitem que o tecido social se esfarrape consequência de orientações que não actuam na pobreza, na miséria, na ignorância e na exclusão social, que deixam que os falsos valores campeiem, que o alcoolismo, a toxicodependência e a criminalidade funcionem quase como uma alternativa ao insucesso, que a família, genericamente falando, de todos os estratos económico-sociais esteja em derrapagem de princípios, de valores e de abandono das suas responsabilidades, pergunto, de que estavam à espera?
A Escola, enquanto espaço de convergência da conflitualidade e das disfunções da sociedade, carrega a indisciplina e, por vezes, a violência que deriva de uma organização social ela própria violenta. As causas da indisciplina são, obviamente, extrínsecas à sala de aula. E se bem que à Escola não compita resolver os problemas da sociedade, uma ponderada actuação pode propiciar consequências que esbatam aquele insustentável quadro. Mas isso só com uma Escola simultaneamente inclusiva, estável no quadro docente, disciplinada, disciplinadora, e de formação para a vida, onde o esforço seja moda. Não acredito numa Escola de cultura livresca, estandardizada, de instalações sem qualidade, submissa, de autonomia faz-de-conta, com turmas a abarrotar e, paradoxalmente, longas filas de professores a espreitar uma oportunidade, onde se cumprem horários de trabalho sem alma e sem sentido de pertença.
Uma nova cultura organizacional da Escola afigura-se-me, por isso, essencial. Cultura organizacional que pouco tem a ver com resmas de regulamentos internos e de projectos ditos educativos que, na sua concretização, são falaciosos e inconsequentes porque excessivamente burocráticos e de rotina. Uma cultura organizacional exige responsabilidade e uma superior preparação dos professores nos domínios da liderança, da organização e gestão, da iniciativa, da inovação e da compreensão do mundo. Porque ao professor não se lhe exige apenas conhecimento científico-pedagógico, mas que seja um líder nas atitudes, nos comportamentos e nos projectos que desenvolve. E não é com gestores profissionais que se atinge este desiderato. A complexidade da Escola não se compagina com levianas atitudes e apetites tipicamente empresariais. É com os professores e com o aprofundamento da democracia nas Escolas, com o respeito pelo quadro legal, nomeadamente, pela Lei de Bases do Sistema Educativo (Artº 45º), com a dignificação das suas carreiras, inclusive, remuneratórias e de aposentação e, naturalmente, com formação complementar.
O combate à indisciplina e à má educação não se decreta nem se pode mascarar com discursos politicamente vagos. O combate faz-se, com atitudes inteligentes e assumidas de forma corajosa e conjugada a montante (governo) e a jusante (escola). Combate-se, também, com o ensino do desporto na escola e não com uma Educação Física travestida de desporto que, hoje, na sua essência curricular, como tantas vezes digo, constitui uma monumental fraude. O Governo que assuma as suas responsabilidades porque nós, professores, saberemos assumir as nossas. Tudo o resto, parece-me, lamúria.


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 121
Ano 12, Março 2003

Autoria:

André Escórcio
Mestre em Gestão do Desporto. Professor do Ensino Secundário, Funchal
André Escórcio
Mestre em Gestão do Desporto. Professor do Ensino Secundário, Funchal

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