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Pensamento político e território

O pensamento político nem sempre aparece de uma forma explícita no território. Algumas vezes a estratégia do poder fica voluntariamente escondida para que o exercício de dominação se torne desapercebido pelos opositores. Outras vezes a visibilidade é mostrada como força de ameaça. Assim, a explicitação do conteúdo geo-estratégico em morfologia territorial, depende de razões conjunturais.

Durante o século XIX e XX a elaboração do pensamento geopolítico foi reservada a elites de governos nacionais com interesses geoestratégicos de dominação de fontes energéticas e de localizações territoriais privilegiadas em função de transportes e riquezas locais.
A geo-estratégia tornou-se um método de acção política no território ao serviço dos actores que representavam nos governos nacionais os interesses de exploração colonial.
Nos finais do séc. XIX, o pensamento geo-estratégico é dominantemente uma preocupação militar enquanto que a reflexão geo-política se vai elaborando em meios universitários e da investigação sem contudo abandonar os desígnios bélicos.
Frederich Ratzel fundamenta todo o seu discurso no darwinismo social e, como membro da Liga Pangermanista, pretende fornecer aos políticos governantes uma orientação de dominação planetária pelo Império alemão.
O sentido político deste discurso tem como base a ideologia do racismo na superioridade dos germanos ? raça ariana. Aponta já a Euro-Ásia como o ?coração territorial? essencial para se partir à conquista do mundo.
A geo-política entre as duas guerras constituiu-se como um saber que se pretendia ser ?objectivo? pois preocupava-se em fazer um levantamento de forças antagónicas ao mesmo tempo que assinalava os factores geográficos , populações, recursos, vias de comunicação, etc., que facilitavam ou dificultavam a dominação de lugares por determinados actores do poder político-militar.
É com Karl Hausofer (1869-1946) que a geopolítica contemporânea se inicia. Trabalhando como conselheiro militar na Embaixada de Tóquio entre 1908-1910, articula óptica militar com a percepção sociológica dos diplomatas. Tem o privilégio de alargar conhecimentos da realidade oriental e das realidades continentais e insulares da Europa e Ásia através das inúmeras viagens que realizou.
Depois da experiência da Grande Guerra , Karl Hausofer elabora uma visão prospectiva para que as escolhas sejam racionalizadas. Revelar perspectivas antagónicas, no sentido de uma decisão objectiva.
O Nacional Socialismo servir-se-á destas achegas para manobrar o exército em função da conquista do coração euro-asiático (heartland), insistindo na mitologia racista de Rotzel.
Porém, a derrota em Estalinegrado porá termo à veleidade estratégica de domínio planetário do III Reich.
O pensamento geopolítico, na Inglaterra, das classes dirigentes, nasce dos interesses das instituições coloniais do Império Britânico, particularmente através da Royal Geographical Society.
Esse pensamento geopolítico consolidar-se-á com Haltfor Makinder que sob o comando de Lord Curzon, em 1919, se põe ao serviço do exército branco contra a União Soviética.
É que também Makinder considerava essencial o comando da Europa de Leste para se obter o domínio do ?heartland? e deste modo, comandando a ?Ilha do Mundo? Euro-Ásia, dominar-se-ia o mundo.
Nos Estados Unidos Thomas Renner publica em 1942 um texto ?Cartas para um novo mundo?, pretendendo uma ?geografia política?. Porém, é Nicholas Spykman (1893-1943) que desenvolverá o essencial da geopolítica do imperialismo americano que assenta mais uma vez na ideia de que o ?heartland? era o território essencial para a hegemonia mundial. Defende porém uma nova ideia defensiva: criar instabilidades no ?rimland?, a zona periférica desse coração, para que a hegemonia não se faça a partir dum só pólo político dominador do lugar estratégico privilegiado.
No seio dessa geo-política clássica, surgiram contudo pontos divergentes.
Na esteira de Albert Demangeon e Vidal de La Blache, Jean Monnet em colaboração com Paul Mantoux, Pierre Denis e Henri Hauser, contribuem nos círculos da Sociedade das Nações para uma perspectiva de coexistência pacífica e redistribuição mais descentralizada dos recursos estratégicos. Cooperação e planificação poderiam assim constituir um largo espectro de aspiração e interesses federativos.
Na Segunda Guerra Mundial vieram a adoptar-se algumas variantes. As referências eram diferentes. O darwinismo social, o racismo chauvinista, o poderio colonizador e dominador do Estado Nação deram lugar a uma concepção da economia cada vez mais mundializada.
Os grandes interesses monopolistas do capital financeiro revelaram formas mais complexas do novo império. A importância cada vez mais decisiva do petróleo aponta novamente o coração do mundo (Euro-Ásia) como o alvo do desígnio de dominação planetária. Mas outros interesses estratégicos se revelam: o controlo das águas e das reservas de minérios, os tecnopólos e as bases militares.
As inovações da máquina militar, com uma logística nuclear sofisticada, aérea e marítima, introduziram no esquema geo-estratégico variações técnicas operativas.
Porém, de Hitler a Bush verifica-se uma mesma constância das políticas imperiais pelo desejo de conquista territorial da ?Euro-Ásia? para o controlo mundial.
A batalha de Estalinegrado partiu os dentes ao Nazismo. O que acontecerá numa nova guerra?
A fundamentação desta lógica de dominação e exploração do império, assenta no esbanjamento energético e de matérias-primas, do modelo de crescimento.
20% da população usufrui de 80% das riquezas mundiais. E 80% da população sobrevive com os restantes 20% .
O planeta não tem possibilidades de dar resposta aos gastos exponenciais do modelo americano de crescimento, generalizado a todo o mundo. Como explicitaram Butros Gali e Jacques Attali, equivaleria a uma quantidade de recursos equivalente a três planetas como a terra!...
Uma outra alternativa, com outros fundamentos ideológicos, terá de nascer para fazer face à geo-estratégia deste império.
Territórios de auto-suficiência alimentar, formas novas de habitat, energias renováveis, mudanças de estilo de vida e consumo são objectivos essenciais para uma mobilização concreta  que, profilacticamente, contribua para o desaparecimento das causas materiais da destruição planetária.
Trata-se de uma mudança de problemática. A solução não pode surgir de uma qualquer outra estratégia militar que se oponha a um outro militarismo. É necessário mudar de problemática, pois a guerra não contribuirá para a solução do problema.
Mudar de problemática é mobilizar as populações para novas relações sociais, sem exploração e dominação e enveredar-se por um modelo de desenvolvimento ecologicamente sustentado em que os objectivos centrais são salvar o planeta, impedir poluições globais e contaminantes e eco-gerir os bens naturais para a sua renovação.


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 120
Ano 12, Fevereiro 2003

Autoria:

Jacinto Rodrigues
Fac. de Arquitectura da Univ. do Porto
Jacinto Rodrigues
Fac. de Arquitectura da Univ. do Porto

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