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Olhares

professora do 1º ciclo

Paula Pinho, 28 anos, começou a leccionar em 1996 na Escola n.º 2 de Santa Cruz do Bispo, Matosinhos; no ano lectivo 2001/02 foi professora na Escola n.º 39 do Bairro da Vilarinha, Porto.

professora primária

Elizabete Vieira, 63 anos, estreou-se como professora em 1972 na Escola de Galegos, Penafiel; terminou o percurso pela docência em 2001 como directora da Escola da Fontinha, no Porto.


Ser professora é ter mais de 20 filhos

Paula Pinho (PP) – A professora primária é uma segunda mãe. Às vezes é mais importante debater os problemas que os alunos trazem para a sala do que dar a matéria. Já lá vão os tempos em que o professor era a figura da rigidez. É curioso que antigamente o símbolo dos anéis de curso era a régua, o meu já tem grafado um livro.

Elizabete Vieira (EV) – O meu ainda traz a palmatória... Mas ser professora primária é ter mais do que 20 filhos...


É ensinar o ABC

PP – O ensino das letras começa sempre pelas vogais e não pelo “a”, mas pelo “i”. Depois para cada letra conto uma história e ensino um gesto. Por exemplo, para a letra P há uma história que é a de um menino chamado Paulo que vai a um jardim onde estão Pombinhas que quando começam a voar largam Penas. As Penas são tão leves que caem na nossa mão e se as soprarmos elas voam. Ao fazermos o gesto do soprar já estamos a fazer o som “pe”. Mas não há nenhum método eficaz por si só, é preciso juntar mais qualquer coisa...

EV – Eu também ensinava as letras através de histórias. Passava a história no quadro com um letra que eles pudessem perceber e à medida que ia contando a história ia carregando mais na palavra sobre a qual incidia a letra. Depois apontava no quadro a palavra e quando eles já tinham a letra escrita no caderno, quer manuscrita quer à máquina, iam ao quadro fazer “rodinhas” a cores na respectiva letra.


A matemática é

PP- É preciso concretizar a matemática. Eu costumo levar os miúdos para o recreio e fazer jogos do género pôr cinco meninos num sítio e digo que dois fugiram e eles vêem quantos ficaram... No regresso à sala peço para que desenhem a situação vivida no recreio.

EV – Da concretização é que se passa para a abstracção. Penso muitas vezes na dificuldade das contas de dividir. Eu ensinava a dividir com o método das subtracções sucessivas e nunca me preocupei em que a criança fosse para o 2º ciclo com esse “vício”. Desde que os miúdos percebam o que estão a fazer, eles vão deixando de utilizar essa ajuda e começam a trabalhar mentalmente.


Os Manuais são…

EV – Nunca segui o manual da primeira à última página. Pegava nele apenas para ver os conteúdos. Depois fazia fichas à minha maneira e de acordo com as aprendizagens dos alunos porque muitas vezes sentia que o manual não se adaptava às suas dificuldades.

PP – Eu não sou dependente, mas sigo o manual porque sinto que necessito de uma certa orientação. Mas não me fico só por aí também realizo as minhas fichas, exercícios e actividades. Até porque não existem manuais perfeitos.


Até ao Natal..

EV – As aulas começavam em Outubro e havia uma obcecação por parte dos professores em ensinar a ler até ao Natal. Eu nunca me preocupei com isso porque só os alunos que tinham muita ajuda em casa é que aprendiam a ler em tão pouco tempo. A maioria não tinha ajuda nenhuma porque os próprios pais não sabiam ler.

PP – Para nós não há essa pressão do aluno ter de aprender até determinado tempo. Estamos cientes de que até ao Natal o aluno passa por um processo de adaptação ao professor e à escola. A partir daí já se começa a perceber os diferentes ritmos de aprendizagem.


Ensino “especial” …

EV – Tive duas experiências que marcaram a minha vida. Uma foi ser professora no Instituto Profissional do Terço, no Porto. Lidei com meninos que tinham muitos problemas e às vezes chegava à conclusão de que realmente era preferível ouvi-los do que ensiná-los. Outra foi passada na Escola da Fontinha onde uma vez me vi a braços com três deficientes auditivos que não sabiam falar. Eu não sabia linguagem gestual, os pais dos miúdos queriam que eles aprendessem a falar e tivemos todos de nos adaptar uns aos outros. Eu falava mais devagar e tentava entendê-los, eles procuravam seguir o que eu dizia. No final do ano eles já sabiam falar.

PP – Eu tive uma experiência parecida no segundo ano de serviço. No primeiro dia de aulas entro na sala e vejo a auxiliar a trazer o Luís, uma criança paraplégica que não falava. Eu sabia que ia ter comigo uma professora do ensino especial mas um dos meus dilemas era saber como é que ia comunicar com ele? Tivemos de adoptar um código entre nós (sim olhava para cima, não olhava para baixo) porque ele só comunicava por olhares. Mas o Luís era tão dócil que as dificuldades de comunicação foram logo ultrapassadas no primeiro mês. Infelizmente, no que toca aos meios para que o Luís pudesse escrever, só no terceiro período é que conseguimos um computador com uma ponteira para que ele pudesse apontar as letras no ecrã.


Outros tempos

EV – No meu primeiro ano de serviço em Galegos tive três classes, 2ª, 3ª e 4ª, numa sala. Eram 50 alunos. Eu fazia o horário da manhã e à tarde tinha de pedir o salão paroquial ao padre para poder acompanhar os alunos da 4ª classe. De manhã, na sala, enquanto uma classe estava nas mesas a trabalhar a outra estava sentada no chão a fazer trabalhos manuais e depois trocavam.

PP- Enquanto não for efectiva é muito difícil conseguir levar uma turma do primeiro ao quarto ano. É triste para os miúdos e para mim.

EV – Eu não tive essa experiência porque ao fim de dois anos de serviço já era agregada... Mas acho que faz falta ao aluno ter a continuidade do que aprendeu no primeiro ano e da maneira de ser e de ensinar da professora.


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 115
Ano 11, Setembro 2002

Autoria:

Andreia Lobo
Jornalista, A Página da Educação
Elizabete Vieira

Paula Pinho
Professora, Porto
Andreia Lobo
Jornalista, A Página da Educação
Elizabete Vieira

Paula Pinho
Professora, Porto

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