Caras (os) Amigas (os)
Estamos hoje no mesmo barco, homens e mulheres e principalmente crianças, que
são afectados, feridos nos seus direitos mais fundamentais, - o "Titanic", de
que fala Morin. (...) Nós não queremos no que respeita ao ensino que se faça
apenas transmissão de saberes, ingurgitação de conhecimentos, papaguiação de
textos ou de números.
Pedem-me que vos diga o que penso dos problemas das mulheres na sociedade de
hoje e em particular na sua relação com a educação.
Claro que penso que não é fácil, no mundo de hoje, falar apenas nos problemas
das mulheres. As injustiças, as desigualdades e as consequentes violências que
as afectam, levam-me a pensar que estamos hoje no mesmo barco, homens e
mulheres e principalmente crianças, que são afectados, feridos nos seus
direitos mais fundamentais, - o "Titanic", de que fala Morin.
Dizem as estatísticas que dois terços da humanidade vivem abaixo do limiar da
pobreza, que parte dela faz esforços sobre-humanos para ter acesso a um púcaro
de água potável, que grande parte não tem recursos, medicamentosos e humanos,
para se tratar das doenças mais facilmente curáveis, que crianças são
exploradas das formas mais torpes ou até arregimentadas para os conflitos que
os adultos intolerantes geram.
E isto, na parte do mundo mais pobre, mais desmunida, mais explorada e,
simultaneamente, mais desprezada e abandonada pelos países ricos. E até mesmo
nestes países ricos sabemos que há milhares e milhares - milhões - de excluídos
e marginalizados.
Segundo as estatísticas, na União Europeia há 50 milhões de pobres e 18 milhões
de desempregados.
É verdade que sabemos que vem de trás, de séculos, a discriminação das mulheres
que, em certos pontos do mundo, são apenas máquinas de trabalho e de reprodução
e que a pobreza, a ignorância, a doença e a fome aparecem com rosto dorido de
mulher. Como falar de Educação, de Ensino e de Cultura quando a fome fere,
quando as escolas não existem, quando a Cultura é qualquer coisa que não
entendem ?
Mas eu penso, que apesar disso, é precisamente nesses três vectores que nós
temos que insistir. Embora seja difícil, por vezes quase impossível, devemos
fazê-lo.
Mas são, esses vectores que nos apontam os caminhos da paz, da concórdia, da
tolerância e do desenvolvimento.
E nós mulheres que nos preocupamos com o aperfeiçoamento da sociedade e que
entendemos que temos um papel importante a desenvolver nesse sentido, temos que
estar atentas ao que se faz, ao que se pode ou deve fazer nessas áreas.
Nós não queremos no que respeita ao ensino, por exemplo, que se faça apenas
transmissão de saberes, ingurgitação de conhecimentos, papaguiação de textos ou
de números. A educação, o ensino e a cultura não é isso ou apenas isso. É,
sobretudo e simultaneamente, a descoberta e a vivência dos valores, o
conhecimento enquadrado numa moldura ética, os estímulos para os comportamentos
adequados, generosos e sempre em relação aos outros, afinal a aprendizagem que
temos de ajudar a fazer do exercício da cidadania.
E não estamos à espera de que as nossas acções dependam exclusivamente dos
governos - que servem para lançar as nossas culpas para trás das costas -
porque nós somos ou devemos ser, para além das experiências e saberes que nos
cabe transmitir as referências , os espelhos onde cada criança ou jovem se revê
e inspira.
Cada atitude nossa tem reflexos nos nossos educandos, tal como os tem nos
nossos filhos.
Vivemos hoje num país livre e democrático onde se tem feito progressos enormes.
Quem seja honesto e objectivo sabe isso muito bem.
É evidente que é necessário fazer mais porque o processo democrático não se
compadece com a nossa indiferença e comodismo. É exigente, obviamente. Mas
muito do que estamos sempre a criticar, a enegrecer e até a deformar pode ser
emendado por nós próprios com a nossa acção, com a nossa vontade e o nosso
assumir das responsabilidades que nos cabem.
Se assim fizermos a nossa democracia sairá fortalecida e saberá resistir aos
"duce" que vão aparecendo um pouco por toda a parte neste mundo, até na nossa
casa europeia que julgávamos uma fortaleza inexpugnável nesse sentido.
|