O reforço da autoridade dos professores ... o retorno aos exames... a
mercadorização da educação... o financiamento privado das famílias... a gestão
profissional dos estabelecimentos..., entre outras medidas, mostram claramente
um sistema meritocrático que emerge no horizonte ...
As escolas, como todos afirmam saber, são contextos dotados de enorme
complexidade, onde necessariamente se manifestam e confrontam interesses e
racionalidades plurais. Apesar desta afirmação poder ser considerada como
lapaliceana, ela só o é na aparência, porque no plano das políticas educativas
concretas e no das práticas discursivas que as influenciam e muitas vezes
determinam, nomeadamente as que têm a sua origem nos órgãos de comunicação
social, a referida complexidade parece não ter lugar. Pelo contrário, aquilo
que é característico em ambas as práticas é a tendência para a simplificação
do que todos afirmam como complexo. É assim que temas como indisciplina, violência,
avaliação (dos alunos, dos professores e das escolas), a liberdade de
escolha e de ensinar e aprender, a (i)literacia e os baixos
níveis de qualificação e de instrução da população, entre outros, nos
surgem recorrentemente e de um modo amplificado nas páginas dos jornais,
particularmente a partir de meados da década de 90, tratados de um modo que até
parece impossível que não tenham sido solucionados já, tais as certezas que
certos colunistas manifestam quanto às soluções. E quais são elas?
O reforço da autoridade dos professores, (re)introduzindo o mecanismo
dos processos sumários de julgamento (numa organização com responsabilidades
acrescidas no processo de construção da democracia e do seu aprofundamento,
parece-me uma prática eloquente!!!). O retorno aos exames, fazendo
passar a ideia (fácil) de que assim se reintroduz o rigor e a exigência
alegadamente perdidos e se combate o facilitismo e o hedonismo pretensamente
instalados, permitindo, num só movimento, instaurar a "avaliocracia"e a
correspondente "responsabilização" dos agentes e das organizações. A mercadorização
da educação parece ser o objectivo central dessas propostas. Para isso
propõem a hierarquização das escolas (rankings), o financiamento privado das
famílias (cheques-ensino) e a gestão profissional dos estabelecimentos,
em nome da liberdade de ensinar e aprender, da liberdade de escolha (parental)
e da lógica da oferta e da procura. Como é bom de ver, é um sistema claramente
meritocrático que emerge no horizonte com grande pujança, cujas consequências
imediatas seriam o reforço da selectividade e a fragilização
(inconstitucional?) da escola pública.
Como sabemos, a escola pública que fomos capazes de produzir em (apenas!) 30
anos, está longe de satisfazer as condições que o seu projecto constitutivo
estabelecia, ou seja, afirmar-se como democrática, garantindo não só o
acesso mas sobretudo o sucesso. Ela tem continuado a excluir milhares de
crianças e jovens, logo na escolaridade obrigatória, particularmente no 3.º
Ciclo, sendo essa função selectiva claramente visível no ensino secundário e
continuada no ensino superior. O desafio que se nos coloca, como este da
construção de uma escola pública e democrática, é ciclópico. Requer o esforço
empenhado de toda a sociedade e não pode estar sujeito a abordagens de natureza
economicista suportadas por propostas populistas e demagógicas (como as que têm
vindo a ocupar os editoriais de certos jornais e até o programa do actual
governo).
A simplificação e o populismo emergem, assim, como métodos de uma
estratégia política identificada com o que alguns autores designam por Nova
Direita4, longamente pensada e preparada nos bastidores da acção social, sendo
os media um dos seus pilares instrumentais.
Num campo como o da educação é difícil possuir certezas quanto aos caminhos a
seguir. Para já sei por onde não quero ir, sabendo igualmente que as
alternativas às propostas neoliberais e conservadoras constituem um processo
longo, difícil e nada linear, restando saber se existem energias suficientes
para as promover.
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