Numa entrevista dada à RTP1, em Maio, a ministra das finanças esforçou-se
por apresentar o país como um doente a precisar de uma intervenção cirúrgica
urgente e dolorosa. A lógica do investimento é simples: diz agora que o país
está às portas da morte para daqui a dois anos anunciar a sua milagrosa salvação.
Começa a não haver paciência para suportar os exageros do governo. A propósito
de tudo e de nada traçam um diagnóstico negro e anunciam estar o país às portas
da morte. A verdade é que nunca tivemos a balança de pagamentos tão equilibrada
como agora. Dadas as metas traçadas pela UE podemos admitir que Portugal tenha
uma forte gripe sazonal - o que acontece a outros países da União Europeia -
mas daí à morte anunciada vai um passo de gigante.
No entanto os membros do governo vão traçando um diagnóstico deveras severo.
Ora, a pior coisa que pode acontecer a qualquer doente é que o médico erre no
diagnóstico, na intervenção cirúrgica e na medicação. E tudo indica que é isto
que está a acontecer. Uma forte gripe sazonal provoca dificuldades respiratórias
ao paciente. O governo, alarmista, afirma ser um cancro pulmonar.
Em vez de receitar a medicação adequada e dar o tempo necessário à cura, o governo
agita-se e grita e manifesta-se ansioso por um transplante pulmonar e umas sessões
regulares e intensivas de quimeoterapia.
Estando o país lânguido, devido à ponta de febre que o apoquenta, eles anunciam
de trombeta que é cancro dos ossos, apelam aos dadores de sangue e prescrevem
um transplante urgente da medula. Por este caminho o país não morre da doença
mas seguramente da cura.
As instituições e o povo não parecem estar muito com esta política. Uns fingem
acatar a medicação, mas preparam-se disfarçadamente para a deitar pelo cano
abaixo. Outros recusam-na liminarmente e batendo no peito afirmam-se de excelente
saúde. Outros dizem que a medicação é necessária, imprescindivel, mas não para
eles, apenas para os outros. Todos parecem perceber a diferença entre medicamento
e veneno e não mostram vontade de aceitar que lhe arranquem o pulmão à tezourada.
Mas o novo governo não se conforma. Quer mostrar autoridade. Quer acção. Precisa
de mostrar serviço. Reclama um doente que se assuma em estado calamitoso. Está
no ínicio do mandato. Os que o formam chegaram onde não esperavam. Estão deslumbrados
com o poder. Enervam-se. Parecem um bando de gaivotas esvoaçando sobre um barco
de pesca. Volteiam no ar. Piam alto só de imaginar o peixe. Picam em direcção
ao trabalhador. Precisamos de tempo e paciência para os deixar poisar.
Como é próprio dos inseguros precisam de mostrar autoridade. O governo manda
parar tudo quanto mexe. Fecha institutos. Cilindra o ensino recorrente. Encerra
escolas. Ameaça vender emprezas públicas e televisões. Despede funcionários
públicos. Aumenta os impostos ao povo. Acaricia os mais ricos e poderosos. Quer
mostrar quem manda: reverencia os poderosos, esbofeteia as criancinhas.
"Portugal vai poupar com o corte dos dez mil contratados a prazo pouco mais
de dois milhões de euros, ou seja, cerca de quatrocentos mil contos... o valor
da poupança não é significativo, mas o princípio que a medida encerra é essencial
para a linha de rumo que o governo está a traçar", diz uma fonte social democrata.
Moral da história: poupa-se pouco a desorganizar instituições e a arruinar a
vida de dez mil pessoas e dos que com elas vivem, mas ficamos todos a saber
quem pode e quem manda!
Na Assembleia da República, Sua Excelência, o primeiro-ministro Durão Barroso,
disse que a sua luta é contra "os que roubam". Ficamos oficialmente a saber
que "o país está de tanga" porque anda aí uma malandragem a roubar. Não ficou
ainda claro quem são os ladrões. Falta saber se são os malandros do Partido
Socialista, se os patifes da esquerda em geral, ou os funcionários públicos
em particular. Pode também acontecer que sejam os terroristas da RTP apoiados
pela juventude com contrato a termo certo e por um bando de intelectuais manhosos
e dinossáricos.
Uma coisa é certa, os que vão ser varridos pelo bafo do governo pertencem ao
grupo dos que pagam impostos. Os que não pagam, Suas Excelências os investidores
e empregadores, estão fora de qualquer suspeita. Vestem bem, usam jeep, não
cheiram mal e não roubam. Serenamente aguardam que o governo lhes entregue os
bens públicos para seu regalo, exploração e conforto.
Enquanto pia a vulgata neoliberal o governo voa a alta velocidade e em turbilhão.
Mergulha e ataca este ou aquele grupo de trabalhadores. Anuncia despedimentos.
Prepara o congelamento de salários. Aumenta os impostos indirectos. Diminui
pausas. Aumenta o tempo de trabalho. Numa palavra: mostra força apertando o
cinto e as algemas ao esqueleto.
Ainda que de forma desajeitada o governo procura vestir com gosto e conforto
o manequim patronal. Sobre a reforma fiscal nem uma palavra. Falar de aumentos
de salários ou pensões é uma blasfémia. Reclam a necessidade de emagrecer o
trabalho e de engordar o capital. Uma troca de gorduras. Pão com manteiga para
os bancos e emprezas, bastonada aos trabalhadores. O que o governo liderado
pelos MRPP-arrependidos e apoiado pelos CDS/PP-presumidos está a fazer é a alargar
o fosso, que já é enorme, entre os que têm a propriedade dos meios de produção
e os que nada têm.
A gritaria histérica com que têm abordado o déficit das finanças públicas ultrapassou
tudo, mostrando mais sinais patológicos que financeiros e políticos. Apregoam
a necessidade de "enchugar as gorduras da função pública", mas o lodaçal fiscal
criado pelo PSD de Cavaco Silva e mantido pelo PS, é que precisa de ser enchugado.
A evasão fiscal anual calculada, ultrapassa largamente no país os mil milhões
de contos. É este o crime que o governo devia enfrentar. É em confrontos desses
que o governo pode mostrar coragem. Aumentar os impostos que atingem os trabalhadores
assalariados não é um acto de coragem mas um assalto à mão armada.
A incompetência média dos nossos governantes é um susto. Aturá-los é um fardo.
Não é preciso ser economista experimentado para perceber que a metáfora do "país
de tanga" é ridicula e desajustada. Nem é preciso ser dotado de muito bom senso
para perceber que a afirmação de que o primeiro-ministro luta contra "os que
roubam" é boçal.
Este novíssimo PREC (Processo Reacionário em Curso), se não for travado, fará
o país andar muitos anos para trás. A maioria dos portugueses quer certamente
um governo que governe. Mas julgo não querer um governo composto por gente incompetente,
precipitada, insegura, nervosa e incapaz. Um governo espalha brasas.
Como em qualquer país e em qualquer tempo, este em que vivemos tem os seus problemas
para resolver. Por isso precisamos de um governo de políticos. Não precisamos
de um governo de pequeninos gestores, à mistura com um punhado de agitadores
sob as ordens de uma qualquer tezoureira.
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