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O Governo das Universidades e os representantes de interesses externos

Durante o período de vigência do "Estado Providência secundário" que corresponde a uma mobilização das instituições políticas, sociais e educativas para a promoção da democracia e para o encorajamento da mobilidade social (que decorreu, essencialmente, nos anos 50 a 70) o papel fundamental das universidades consistia em satisfazer as expectativas sociais crescentes, só secundáriamente sendo responsáveis por atender às demandas de mão-do-obra especializada.
Nas duas últimas décadas, a globalização da economia e a transformação do conhecimento num factor essencial de competitividade económica, associados à emergência do neoliberalismo e ao desvalorizar do social em favor do económico, provocaram uma alteração das funções sócio-económicas da Universidade. O que se verificou foi uma mudança do equilíbrio das funções sociais e económicas da universidade a favor destas últimas, o que teve influência nos modelos de governo das universidades.

O Estado quer agora forçar as Universidades a serem "relevantes", a aumentarem a sua sensibilidade ao mundo exterior, a estabelecerem ligações com o sector empresarial, no sentido em que isso significa um reforço da função económica da Universidade. Hoje, o Estado, em vez de proteger a liberdade académica das intervenções e influências externas, toma medidas, se necessário pela via legal, para garantir a interferência do exterior, para funcionalizar a Universidade. A forma tradicional de governação participativa das universidaes tornou-se alvo de críticas ferozes, sendo considerada, alternadamente ou em simultâneo, como ineficiente, corporativa, insensível às necessidades da sociedade e incapaz de evitar a diminuição da qualidade do ensino e da investigação.

A invasão da governação universitária por novos conceitos e atitudes de gestão está a ocorrer em muitos países, em associação com o novo credo neo-liberal. Em Portugal não há empresário que não goste de meter a sua colherada, acompanhado por um coro de ex-ministros da educação que se arrependem de não ter promovido a profissionalização da gestão das instituições. As pressões externas para tornar as universidades mais relevantes e responsivas, mecanismos mais elaborados de prestação de contas - mesmo quando assumem a forma mais civilizada de um subproduto da melhoria da qualidade - e a emergência de práticas importadas do mundo dos negócios estão a assumir um papel crescente no ensino superior. A substituição dos reitores eleitos por presidentes/gestores nomeados, a importância crescente dos "stakeholders externos" (os representantes de interesses exteriores) na gestão, o afastamento dos modelos tradicionais de governação e a proliferação dos 'boards of trustees' e dos "conselhos sociais" são algumas das faces mais visíveis das transformações que estão a ter lugar.
O conceito de 'stakeholder externo' é complexo. No que chamamos de Forma 1, os 'stakeholders externos' correspondem a uma definição estreita e representam interesses no mesmo sentido dos accionistas na gestão das empresas. Por exemplo, os stakeholders representando a indústria e os empregadores estão presentes para dizerem à universidade que tipo de licenciados correspondem às suas necessidades e que investigação (aplicada) tem interesse para as suas companhias. A Forma 1 corresponde à presença crescente nos discursos políticos de uma retórica de mercado e a uma visão da universidade como prestadoras de serviços, e pode induzir atitudes de "quick-fix" por parte das instituições ou levar ao que o Cardeal Newman chamava 'utilitarismo'.

Na Forma 2 os 'stakeholders externos' estão presentes para representar os interesses alargados e de longo prazo da sociedade e correspondem à noção de ensino superior como um bem público. O seu papel não é o de promover à outrance os valores do mercado, mas sim assegurar que os valores fundamentais da universidade não são postos em causa por atitudes institucionais que sigam demasiado de perto os valores de curto prazo do mercado, ignorando o papel público da universidade. Este é o papel tradicional dos trustees das universidades Americanas: representar o interesse da sociedade, mas ao mesmo tempo defender os valores fundamentais da instituição, tal como vistos pela sociedade e definidos nos estatutos e na declaração de missão da instituição.
Na Europa estas transformações são demasiado recentes para se tirarem conclusões definitivas. Porém, há a sensação de que podem ter consequências negativas para as instituições, na medida em que os valores académicos fundamentais sejam substituídos por visões de curto prazo e critérios economicistas. É bem sabido que mesmo num ambiente fortemente liberal o mercado se foca nas necessidades de curto prazo das pessoas e não em estratégias de longo prazo. E há um risco claro de que os stakeholders da Forma 1 não considerem a protecção dos valores fundamentais como uma prioridade. A nossa análise parece indicar que os stakeholders escolhidos pela Universidade terão mais tendência em adoptar o comportamento da Forma 2, do que se forem nomeados exteriormente, por exemplo pelo governo, facto que deve ser tido em conta numa eventual importação do modelo para Portugal.


  
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Edição:

N.º 111
Ano 11, Abril 2002

Autoria:

Alberto Amaral
Centro de Investigação de Políticas do Ensino Superior
Alberto Amaral
Centro de Investigação de Políticas do Ensino Superior

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