O chador
"[Há um certo equivoco] a propósito do "chador" que usam as
mulheres dos talibãn e outros povos e gente do mundo árabe. O chador é a túnica
total, um vestido da cabeça aos pés, fechado, um saco dentro do qual elas se
metem, porque assim o quer Maomé ou algum maometano. Dentro desse saquito elas
caminham com passo curto e gracioso, passo de ave, que o homem pode captar e
desfrutar tal como nós ocidentais captamos e desfrutamos a musculatura nua de
Norma Duval.
Quer dizer que a graça feminina e o poder de insinuação não se tapa com sacos,
[ainda menos] quando ela tem vinte anos. Os vinte anos ultrapassam todos os
rigores católicos, cristãos, maometanos, aladinos e japoneses. Os meus queridos
talibãn perdem um pouco o tempo empacotando as suas mulheres porque a graça
da rapariga não é só uma forma mas também um perfume ou uns olhos cúmplices
que olham por cima do véu.
Por outro lado, há que dizer que se o talibãn perde a cabeça com o invólucro
das suas mulheres nós perdemo-la pelo extremo oposto. A última moda ocidental
consiste num minúsculo fio de ouro, um seio fora, uma tanga Armani e umas pernas
nuas até aos pés (...) Este esquemático e sumptuoso modelo custa uns larguíssimos
milhares de euros. Quer dizer que pagamos caro para que os outros vejam as nossas
mulheres nuas. (...) Uma mulher com um modelo caríssimo que só a despe é o escaparate
das riquezas e abundância do marido ou do amante."
Francisco Umbral
El Mundo, 06.11.01
"Diário 16", o triste fim de um grande jornal independente
"Diário 16 dirige-se hoje pela última vez ao encontro dos leitores.
O seu encerramento põe ponto final à grande crise de um projecto que nasceu
faz agora precisamente 25 anos (...) Todos quantos trabalharam no Diário 16
podem sentir-se orgulhosos de um jornal que prestou grandes serviços à democracia,
principalmente com as suas corajosas denúncias do golpismo [pós-franquista]."
El Mundo, 07.11.01
B. Laden
"A origem mais pré-histórica da ideia religiosa nasceu do medo
irracional face ao firmamento inexplicável e aos seus meteoros. Depois humanizou-se
com esse igualitário processo bioquímico chamado amor fraterno. Mas este maníaco
religioso continua ancorado no seu muito pessoal Pleistoceno: em substituição
dos Budas milenários quer erguer uma catedral. Porquê? Aterroriza-o ter a mulher
como semelhante."
Erasmo
El Mundo, 11.11.01
Kioto sobrevive
"O protocolo de Kioto para lutar contra o aquecimento do nosso
planeta sobreviveu após a reunião de Marraquexe, o que não é pouco tratando-se
de um dos acordos internacionais mais controversos e discutidos, e após o fracasso,
faz agora um ano, da cimeira de Haia e o posterior abandono por parte dos Estados
Unidos. A União Europeia conseguiu no último momento na cidade marroquina um
pacto com os países em vias de desenvolvimento, com o Japão, Austrália, Rússia
e Canadá, depois de limar em intermináveis negociações os pontos de maior conflito."
El País, 12.11.01
O fim do neoliberalismo
"(...) A irrupção do terror global, com efeito, equivale a
um Chernobyl da economia mundial: tal como ali se enterraram os benefícios da
energia nuclear, aqui enterram-se as promessas de salvação do neoliberalismo.
Os autores dos mortais atentados suicidas não só demonstraram claramente a vulnerabilidade
da civilização ocidental, como anteciparam o tipo de conflitos a que nos pode
levar a mundialização económica. Num mundo de riscos globais, a consigna do
neoliberalismo, que reclama a substituição da política e do Estado pela economia,
mostra-se cada vez menos convincente.
(...) Os Estados Unidos privatizaram a segurança aérea, entregando-a ao "milagre
do emprego que constitui os trabalhadores a tempo parcial altamente flexível,
cujo salário, inferior inclusivamente ao dos empregados dos restaurantes de
comida rápida, anda à volta dos seis dólares por hora. Quer dizer, estas funções
de vigilância (...) estavam a ser a ser desempenhadas por pessoas "formadas"
em poucas horas e que em média não conservavam o emprego por mais de seis meses
neste trabalho de segurança "fast food".
A concepção neoliberal que os EUA têm de si mesmos (por um lado, a pequenez
do Estado; por outro, a trindade desregulação-liberalização-privatização) explica
em parte a sua vulnerabilidade frente ao terrorismo. (...) As imagens de horror
de Nova Iorque são portadoras de uma mensagem que ainda não foi assimilada:
um Estado, um país, pode neoliberalizar até a morte. (...)"
Ulrich Beck
Le Monde / El Pais, 15.11.01
Subjacente
"Parece que, para além da inflação aparente ainda que real,
há outra que deveria preocuparnos muito mais porque também é real embora subjacente,
ou seja, está por baixo e, por tanto, é, além de real, ameaçadora. Digo-lhes
que há imenso tempo que esta prenda se sente ameaçada pelo subjacente, e não
só no capitulo da economia.
(...) Por exemplo, quando leio que Colin Powell prepara um novo plano de paz
para o Médio Oriente penso até que enfim; mas o subjacente lembra-me que, segundo
a Amnistia Internacional, nas últimas semanas (desde que Bush disse que os palestinianos
mereciam um Estado próprio) duplicou o número de palestinianos mortos pelos
israelitas, enquanto que a cifra das baixas israelitas desceu consideravelmente.
Subjacente é também, sem dúvida, o facto exemplar de que o exército de Israel
se tenha negado a julgar os soldados que, em Julho passado, mataram a tiro um
miúdo palestino de 11 anos quando jogava futebol em Rafah, ao sul de Gaza. (...)"
Maruja Torres
El Pais, 15.11.01
O poder ditatorial de Bush
"Mal aconselhado por um fiscal general frustrado e paralisado
pelo pânico, um presidente dos Estados Unidos acaba de assumir algo que equivale
ao poder ditatorial de encarcerar ou executar estrangeiros. Intimidados pelos
terroristas e inflamados por uma paixão pela justiça pura e dura, estamos a
permitir a George W. Bush substituir o sistema de direito dos Estados Unidos
por improvisados tribunais militares (...)."
William Safire
El Pais, 16.11.01
A felicidade feminina
"A felicidade é uma categoria feminina. A felicidade, a vida
feliz, o lugar feliz, os instantes felizes, a felicidade tem interessado mais
às mulheres do que aos homens. Os homens, convém dizê-lo, apreciam a felicidade
mas não a colocam como um objectivo fundamental das suas vidas. Para a sua exposição,
já lá vão uns anos, na Casa da América em Madrid, a pintora Katie van Scherpeng
escolheu para título uma frase que lhe repetiam com frequência na infância.
Dizia a sua mãe: "Promete-me que serás feliz". Borges pelo seu lado declarava
no final dos seus dias: "Cometi o erro de não ser feliz". Ser feliz é um estado
deliquescente, demasiado afeminado, demasiado glorioso para ser de verdade coisa
de homens. (...)
Porque será que as mulheres têm menos pudor em manifestar estes estados de alma
fundamentais? Porque o centro da sua felicidade radica, ao contrário dos homens,
na experiência de um empreendimento tão primordial como é a maternidade. Sendo
mães sentem o efeito radical de ser felizes. Mas um homem? As suas missões ditas
fundamentais relacionam-se com o mundo do trabalho, o dever de ganhar (...)
Para os homens de hoje não existe uma felicidade tão verdadeira, original e
legitima como a felicidade de uma mulher. Há tipos emancipados da sua masculinidade
que não sofrem de modo tão severo estas carências (...) mas o normal é que a
intensa felicidade se infiltre fugazmente ou com dificuldade no coração de um
homem."
Vicente Verdú
El Pais, 16.11.01
Flexibilidade
"A flexibilidade é uma bela palavra. Mas vejam o que é que
a flexibilidade pode envolver: ausência de protecção [dos trabalhadores] face
aos despedimentos. Vocês pedem flexibilidade numa altura em que as grandes empresas
registam prejuízos de grande magnitude, vocês querem transformar os trabalhadores
em dependentes."
Gerhard Schroeder, Chanceler da Alemanha
Público, 29.11.01
Pão com manteiga
"Diz-se que em Portugal há sempre um obstáculo a separar o
povo do pão com manteiga. Umas vezes diz-se que o pão ainda não cresceu. Noutras
é a manteiga que está por fermentar. Outras vezes descobrem que melhores salários
provocam a inflação. Num momento enaltecem o nosso desenvolvimento acelerado
e a colagem ao pelotão da frente, logo a seguir pedem-nos uma prece pelo aumento
da produtividade. Pela manhã são precisas novas leis, de tarde já é preciso
reformá-las. Há sempre um bom motivo para ficarmos parados ou a deambular de
um lado para o outro como fazem os carneiros no rebanho. Há sempre um motivo
para ficarmos a pão seco. Sempre a promessa do futuro. Pão quente só no dia
seguinte."
José Paulo Serralheiro
a Página on line, 04.12.01
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