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Mundo - Novembro 2001

Nova realidade, nova legalidade: o que se disse na imprensa


A próxima guerra

"É uma guerra estranha a que se prepara, na qual o presidente dos Estados Unidos, este e os que venham, têm carta branca para atacar quem lhes pareça oportuno, quando lhes pareça oportuno e ao longo das próximas décadas. Ou reinventamos a doutrina da Guerra Justa, ou o ataque que pretende levar a cabo os Estados Unidos contra o Afeganistão não tem justificação moral possível. É uma expedição de castigo e vingança. Para evitar esta guerra não se esgotaram, nem pouco mais ou menos, os recursos diplomáticos, nem é, portanto, o ataque o último recurso defensivo. Ambas são condições sine qua non para justificar moralmente uma acção bélica.
(...) Tampouco parece claro que vá haver proporção no uso da força militar (...) Nem é seguro que haja probabilidades reais de ganhar semelhante guerra. É significativo o lapso freudiano de Bush citado ontem [5 de Outubro] na imprensa americana. Num [seu] discurso, aparentemente sem ter consciência do que dizia, referindo-se à guerra em preparação, insistiu: "Não tenho dúvida nenhuma, absolutamente nenhuma dúvida, de que vamos fracassar".(...)"

Juan A. Herrero Brasas
El Mundo, 06.10.01

Os apocalípticos

"Toda a guerra, com a dimensão da presente, gera no mundo inteiro grupos de opinião e sectores clarividentes que nunca acertam. (...) Em Espanha, concretamente, em seguida dividimo-nos em "aliadofilos" e "germanófilos", ou em ianques e talibãs, em orientalistas e ocidentalistas, em madrilistas e atléticos. Agora temos a imensa minoria dos apocalípticos. (...) O apocalíptico, sendo um tipo universal, é também um personagem muito espanhola. Gosta de exagerar as coisas e pôr-se à moda. Maneja grandes superfícies - Ásia, África, o mundo árabe - como se estivesse a dar cartas de um baralho e tem tudo muito claro. Explica a guerra melhor que Clausewitz e explica a paz melhor que Gandhi. (...) O apocalíptico não leu o Apocalipse (...) e não sabe que as guerras são os vulcões da História. De vez em quando soltam um pouco de fogo e destruição, e, quando julgam que já cumpriram a sua função, apagam-se até à próxima.(...)"

Francisco Umbral
El Mundo, 22.10.01

Definir vitória

Clausewitz ensinou-nos que em qualquer guerra, seja total ou limitada, mesmo em toda a batalha, há dois objectivos: um estratégico ou militar (zweck) e outro político (ziel). Pode perder-se militarmente e ganhar-se em termos políticos. (...)
Mas em Washington não se põem de acordo sobre o que deve ser uma vitória. O objectivo estratégico parecia claro: destruir as redes e os meios da "Al Qaeda" e o seu apoio logístico e político no Afeganistão. O objectivo político é substituir este regime, ainda que Powell tenha já dado a entender que no futuro governo provisório no Afeganistão entrarão também talibãs moderados, uma maneira de tranquilizar o Paquistão face ao peso que ganhou a Aliança do Norte (...)
Mas (se por esta ou outra razão) o resultado desta guerra (...) vier reforçar o peso (e uso) político da religião que é o fundamentalismo, nesta caso islâmico, e que promova o crescimento do ódio e surgindo outras redes e grupos terroristas, a vitória será de pirro. A verdadeira vitória consistiria em chegar a uma situação que favoreça os muçulmanos moderados, o que passa por resolver o conflito israelo-palestino. (...) mau seria que, para ganhar a guerra contra o terrorismo global, em nome das nossas liberdades e forma de vida, acabasse-mos nós próprios com essas liberdades. Essa seria uma vitória do terrorismo.
No fim, a vitória deve conduzir a um mundo mais seguro e mais livre. Não o será se não for mais justo e mais tolerante. Mas isso já não é ganhar a guerra. É construir a paz."

Andrés Ortega
El País, 22.10.01

As armas e as contradições

"A organização terrorista de Osama Bin Laden, Al Qaeda, abasteceu-se nos Estados Unidos de espingardas "sniper" (de franco-atiradores) de calibre 50 capazes de derrubar aviões, penetrar em "bunkeres" e centrais nucleares ou converter plantas químicas em infernos tóxicos de destruição massiva, segundo um relatório dirigido pelo Congresso à Casa Branca ao qual teve acesso este jornal. O governo dos Estados Unidos não sabe quantas unidades das "Barrett M81-A1 e 82-A1" com projecteis incendiários estão nas mãos dos terroristas, dentro ou for a do país, porque a venda dessas armas é livre nas espingardarias dos Estados Unidos e qualquer pessoa as pode comprar com garantia de anonimato, como confessou te-lo feito um agente de Bin Laden agora preso em Nova Iorque, de nome Essam al Ridi. (...)
A "M81-A1" foi a arma que usaram os "marines" na Guerra do Golfo para neutralizar veículos blindados iraquianos disparando a uma distância de quilómetro e meio - a "M81-A1 e a 82-A1 têm um alcance até dois quilómetros e, com munição incendiária, podem perfurar metal até 10 centímetros - . Desde então as exportações dessas armas multiplicaram-se exponencialmente e a sua venda proliferou entre a população dos Estados Unidos de tal modo que surgiram outras 14 fábricas especializadas neste tipo de arma. Os números oficiais disponíveis sobre exportação não esclarecem sobre o número existente de "snipers" calibre 50, mas o total de armas exportadas em 1999 foi de 65.669."

Rosa Towsend / Washington
El País, 23.10.01

O medo

"O medo faz parte da condição humana e inclusivamente diagnosticou-se que toda a civilização é produto de uma larga luta contra o medo. Os animais têm medo de ser devorados mas o ser humano multiplica os motivos do temor, complica as ameaças e fantasia os perigos. (...) Desde a Antiguidade até há uns dois séculos o discurso literário ou plástico apoiou a valentia como eixo da conduta social. Uma sociedade sem valentes seria uma sociedade impedida de cumprir o seu destino e propensa à desagregação, ou à regressão.
Nos nossos dias, não obstante, não é vergonha sentir medo nem tampouco manifestá-lo. A ideia de que o temor correspondia aos cobardes, os débeis ou as mulheres, foi substituída pela ideia do terror que se opõe abjectamente à democracia, ao humanismo e à civilização. Ser um indivíduo civilizado implica viver consciente dos múltiplos perigos e num estado de alarme geral. As tecnologias de defesa e vigilância, o desenvolvimento das polícias privadas, as urbanizações fortificadas, as câmaras de vídeo distribuídas pela cidade, a medicina preventiva, são expressão de um medo plasmado na vida quotidiana real. Não é, portanto, um medo gerado pela ignorância ou a "perturbação dos sentidos" mas um produto da informação e da transparência. (...) O medo é uma paixão livre e admissível mas o perigo parece um risco primitivo, algo cada vez menos tolerável no desenvolvimento de qualquer civilização. (...)

Vicente Verdú
El País, 25.10.01

Velhas divisões

"(...) considero-me um reformista radical, defensor da democracia e desconfio da irracionalidade utópica; mas não me deixo embalar pelo engodo ideológico duma "sociedade aberta" cuja tendência é para fechar a porta a cada vez mais gente. (...) Suspeito que José Manuel Fernandes gostaria de ter uma situação em que a esquerda apoiasse Bin Laden e os outros sectores fossem os paladinos da democracia e da justiça. Azar seu: acontece que muitos de nós achamos os Bin Ladeeis indefensáveis e, ao mesmo tempo, sabemos ver, na actual situação, a continuação de mais do mesmo: a política do petróleo, a unipolaridade e a oportunidade para matar as instâncias de regulação internacional e o movimento por uma globalização alternativa."

Miguel Vale de Almeida
Público, 28.10.01

Sem rodeios

"(...) Um dos espectadores desta "aula" quis saber, a dado passo, como é que Klein via a América e como é que a América o via a ele. Ninguém lhe perguntou directamente o que pensava do ataque às "twin towers", mas Klein (fotógrafo e cineasta americano) tomou a iniciativa: "Se querem saber o que penso dos acontecimentos de 11 de Setembro, penso muitas coisas, e uma delas é que os americanos estavam a pedi-las; nos últimos dez anos, sempre que não têm nada para fazer, bombardeiam o Iraque". Admitindo que o ataque às torres de Manhattan "foi uma coisa terrível", Klein acrescentou, no entanto, que "talvez tenha sido, também, uma coisa boa, porque os americanos começam agora a perceber que não são invulneráveis nem superiores a toda a gente"."

Luís Miguel Queirós
Público, 28.10.01
Recolha, selecção e tradução: José Paulo serralheiro
Pedido dos textos completos: pagina@mail.telepac.pt

  
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Edição:

N.º 107
Ano 10, Novembro 2001

Autoria:

Redacção

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