(reflexos da hipocrisia dos países industrializados)
Um dos exemplos mais contundentes desta realidade é o que se tem passado
com a (incapacidade) de aplicação da Convenção sobre Alterações Climáticas.
Quando se trata de passar das (bonitas) palavras aos actos, alguns dos países
mais poderosos do mundo recuam. Recuam, porque têm uma economia baseada em indústrias
que funcionam como autênticos "trituradores" de recursos naturais, porque exploram
abusivamente os recursos naturais de muitas outras regiões do mundo onde têm
fortes "influências" e porque estão convencidos que os prejuízos causados pela
poluição atmosférica que produzem serão repartidos por outros habitantes da
Terra.
Os modelos actuais que estudam o comportamento da atmosfera são ainda pouco
precisos, mas o bom senso diria que é importante prevenir, para não termos de,
mais tarde, remediar. No entanto, as mudanças previstas são muito longínquas
para os curtos ciclos políticos dos governos e para a visão a curto prazo que
os caracteriza. É certo que alguns países estão a investir na elaboração de
estudos de vulnerabilidade às alterações climáticas, mas medidas que contribuam
realmente para a redução das emissões de gases de efeito de estufa para a atmosfera
são sucessivamente adiadas, ao sabor dos calendários e das opções políticas
dos vários países.
A este cinismo mundial, acresce o facto de se prever que as alterações climáticas
afectarão negativamente sobretudo as áreas mais pobres do globo, podendo ser
vistas até como vantajosas em alguns sítios, como por exemplo no Norte da Europa,
onde, apesar de se esperar um aumento da frequência e intensidade das inundações,
as necessidades energéticas para aquecimento doméstico serão cada vez menores
e em certos países do médio oriente, actualmente muito secos, que poderão passar
a ter mais chuva. A esperança de poder tirar proveito dessas situações e a dificuldade
em impor novas regras ao poderoso sector económico dos países industrializados,
fazem cair por terra, sucessivamente, as expectativas mais modestas quanto ao
cumprimento dos acordos internacionais, já de si fracos e dilatados no tempo.
Mas não são só os países que se opõem abertamente aos compromissos internacionais
que merecem ser criticados. Muitos países europeus, que têm estado na linha
da frente na defesa da luta contra a poluição atmosférica e na defesa dos compromissos
assinados na Conferência do Rio em 1992 no âmbito da Convenção sobre Alterações
Climáticas, usam habitualmente temperaturas excessivamente altas em habitações
e escritórios, consumindo desnecessariamente recursos energéticos poluentes
e escassos.
Integrado na União Europeia, Portugal não pode limitar-se a criticar os EUA
(embora o mereçam), tem de dar mostras de estar realmente empenhado. Não podemos
fingir que somos meninos bem comportados durante as negociações com a União
Europeia e com os restantes países e depois, cá dentro, fazermos de conta que
não sabemos de nada. Veja-se o que (não) se passa com a política de transportes
ao nível ferroviário; veja-se o que (não) se passa ao nível da requalificação
das cidades em termos de acessibilidades e de transportes; veja-se o que (não)
se passa ao nível dos incentivos às medidas de conservação de energia e de aproveitamento
de fontes alternativas de energia.
Por isso, Portugal consome, em média, mais 40% de energia do que os países da
União Europeia para produzir a mesma quantidade de riqueza, sendo o consumo
dos combustíveis fósseis o principal responsável pela emissão de CO2. No entanto,
o tráfego rodoviário, muito mais poluente e muito menos eficiente do ponto de
vista energético, cresceu cerca de 46% entre 1990 e 1998, enquanto o transporte
ferroviário decresceu cerca de 20%.
Conceição Martins
Ex-presidente do GEOTA - Grupo de Estudos de Ordenamento do Território e
Ambiente
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