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O cinema ao serviço da revolução - Mudar o mundo?

para o Luis Alberto

O cinema mudou o mundo ? Qui-lo ? Tem poder para isso ? A problemática passou de moda ( ? ). Terá o cinema mudado os modos de representação do mundo, da comunicação? O debate, actualmente, está reservado aos "novos media ".Estas questões, na realidade, estão ligadas mais profundamente, do que se pensa hoje. Desde 1895, e mesmo antes, os "espectáculos ópticos "transformaram os modos de pensar e de representação , o espaço do saber. No princípio do século passado, a reflexão sobre o "medium" atinge o auge : O cinema não está ainda à sua função de distracção ; é, então, um vector de conhecimento, faz comunicar todo o planeta simultaneamente, arquiva, projecta, vence a morte, cria uma nova realidade, desmultiplica-a. Os profetas do virtual e do numérico ficariam sem dúvida espantados se vissem o "Ciné-Phono-Gazette" dessa época, pois encontrariam aí o seu argumentário desenvolvido ao longo de páginas ! Esta novidade " radical " é tida em conta por filósofos como Bela Balasz e Siegfried Kracauer que não separam uma tal "inovação técnica" das bases sociais e dos seus efeitos: mudança de sociedade, revalorização dos valores.

O Cinema é pois , por princípio, revolucionário. Ao serviço da revolução como o surrealismo? A expressão pode ser vista de duas maneiras.
1. Na representação, o cinema estimularia uma "projecção colectiva-nacional, social e política-susceptível de mobilizar uma população, um povo, uma classe. Há exemplos disso? Sem dúvida poucos. Se formos por este caminho, não se encontram muitos filmes que "projectem" o movimento social: os filmes foram essencialmente virados para o passado, ou seja, comemorativos, atentos em evocar o que foi, o que estava ameaçado, por vezes amordaçado e não para a invenção do futuro -" Nascimento de uma nação ", "Outubro", " A Marselhesa ", etc, etc...
O tempo da ficção está votado para o passado. O Cinema da Europa Central da época "socialista" é um bom exemplo deste fenómeno, desligado das exigências mercantis, destinado a participar numa ordem social, constituiu um lugar de reconhecimento de si, lugar já ocupado pela literatura. Da Polónia à Bulgária - luta nacional contra o império Otomano, revoluções de 1868, guerra de 40, colectivização, revoltas de 1956 -, na América Latina - o "Cinema Novo" -, na África do Norte, a Argélia, o filme junta, unifica, oferece uma referência que a canção, a pintura, a poesia propuseram mas com menos força imediata. O cinema acompanha fenómenos mais vastos: a descolonização, a desestalinização... É a época dos "jovens cinemas" nacionais, - confundidos pelo esteticismo com as "nouvelles vagues" - engolidos depois pela "globalização" (imperialismo).
2. Numa concepção instrumental, o cinema é alavanca, meio material, cinema-punho. Este cinema pode mudar o mundo? Tornar-se uma arma na luta revolucionária? A questão foi longamente debatida - a Tricontinental, nos anos 60, chegou a fazer um emblema onde a câmara e a espingarda se cruzavam. Mas esta visão instrumental difere se o cinema pertence a forças constituídas (partidos, sindicatos, grupos de guerrilha), a instituições (Estado), ou aquele que se vê como modo fantasmático da arte "iluminando" o povo, a vanguarda da sociedade, segundo o modelo fixado pelos seguidores de Saint Simon no início do século XIX: Rocha (Glauber) - num modo exaltado -, Solanas mais demonstrativo, Godard, às vezes - "La Chinoise", "Tout va bien". É necessário, por isso, distinguir diferentes posicionamentos. O realizador está ou não ligado a uma organização? Tem uma perspectiva mobilizadora ou apenas crítica? O seu trabalho é uma encomenda? Entre "Kullewampe", que realizam Brecht, Ottwald, Fisler e Dudow em Berlim em 1931 com o apoio dos comunistas do DKP, e "La vie est à nous" de Renoir, Becker, Le Chanois que é um filme de propaganda eleitoral do PCF, há uma proximidade mas muitas diferenças. Entre estes dois filmes e "Deus e o Diabo na Terra do Sol" de Glauber Rocha, há um oceano de diferenças. Rocha, ainda que comunista, na altura, não tinha hipóteses de esperar que o seu filme levasse à mobilização dos espectadores.
Um filme que "muda o mundo" tem que ser um filme crítico, épico no sentido Brechtiano, que chega muito cedo ou muito tarde. Que "muda o mundo" porque nos faz ver de outra maneira, ou realmente.

Paulo Teixeira de Sousa
Escola Secundária Especializada de Ensino Artístico de Soares dos Reis

  
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Edição:

N.º 105
Ano 10, Agosto/Setembro 2001

Autoria:

Paulo Teixeira de Sousa
Escola Secundária Especializada de Ensino Artístico de Soares dos Reis, Porto
Paulo Teixeira de Sousa
Escola Secundária Especializada de Ensino Artístico de Soares dos Reis, Porto

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