O Fundo das Nações Unidas para a Infância
(UNICEF) anunciou, em Maio, os resultados iniciais da sondagem "Vozes Jovens".
Trata-se do inquérito mais amplo e ambicioso jamais realizado junto de
crianças e adolescentes da Europa e da Ásia Central. Baseada em
15.200 entrevistas pessoais, os seus resultados reflectem as opiniões
de mais de 93 milhões de raparigas e rapazes (9-17 anos) sobre questões
relacionadas com os seus direitos e oferecem um panorama fascinante dos seus
pontos de vista, preocupações, esperanças e sonhos; paralelamente,
revelam as suas inquietações sobre um mundo que consideram violento,
injusto e onde impera a discriminação.
A decisão de realizar a sondagem assentou na profunda
convicção de que é necessário ter em conta as opiniões
das crianças e adolescentes sobre questões que os afectam: "As
crianças não são apenas o futuro, também são
o presente. Por isso, temos de começar a levar a sério as suas
opiniões", considera a directora executiva do UNICEF. "Devemos
escutar com atenção o que os jovens têm a dizer e oferecer-lhes
todas as oportunidades possíveis para que falem. Devemos chegar a eles
e incentiva-los a participarem nos processos onde são tomadas decisões
que afectam as suas vidas", sustenta Carol Belamy.
Nesta perspectiva, não terá sido pura coincidência
que as conclusões iniciais do inquérito tenham sido anunciadas,
em Berlim, durante o primeiro dia da Conferência sobre a Infância
na Europa e Ásia Central ? uma reunião de alto nível convocada
para estabelecer um novo programa regional para a infância, a desenvolver
no próximo decénio. Quanto aos resultados finais, serão
apresentados durante a Sessão Especial da Assembleia Geral das Nações
Unidas que decorrerá em Setembro, em Nova Iorque, para definição
de um também novo programa mundial a favor da infância.
Alguns dados
A maior fonte de preocupação para os inquiridos
são os problemas familiares. Repreensões, castigos e conflitos,
são as principais razões que alegam como causa do seu descontentamento:
ainda que classifiquem as relações com os progenitores em termos
positivos, 6 de cada 10 denunciam comportamentos violentos ou agressivos nas
suas famílias; 11% dos que deram conta da existência de violência
ou conduta agressiva nos seus lares referem a sua frequência; um em cada
10 inquiridos indicou que pelo menos um dos seus amigos ou familiares já
foi vítima de violência.
Por outro lado, a preocupação com a violência
ou conduta agressiva reflecte-se na forma como encaram o mundo exterior à
respectiva família: um de cada 6 inquiridos sente-se inseguro quando
caminha na vizinhança de sua casa; no entanto, a proporção
de inquiridos dos países em transição para economias de
mercado que se sentem inseguros nas suas comunidades é, aproximadamente,
o dobro da dos inquiridos na Europa Ocidental.
Não admira, por isso, que, quando questionados sobre
os seus direitos, mais de um terço dos inquiridos tenham referido espontaneamente
o direito de não sofrerem danos ou maus-tratos; de entre estes, mais
de um terço consideram mesmo que este é um direito não
respeitado nos seus países.
No entanto, nem tudo são espinhos: dois terços
dos inquiridos sentem-se felizes "a maior parte do tempo" e a maioria
crêem que as suas vidas serão melhores do que as dos seus pais.
Talvez porque ainda sonham com um país "onde não haja crime
ou violência" e "onde haja paz".
Algumas conclusões
Há uma relação clara entre pobreza e descontentamento.
Os níveis agudos de pobreza que acompanham a transição
para as economias de mercado e as diferenças cada vez maiores entre ricos
e pobres dentro dos respectivos países definem um contexto preocupante:
nos países em transição, há duas vezes mais possibilidades
de que os descontentes queiram viver noutra parte assim que atinjam a maioridade
? 23% dos inquiridos pretendem mesmo emigrar, a maioria para a Europa Ocidental
ou América do Norte.
As crianças e adolescentes descontentes não se
desenvolvem emocional ou intelectualmente, têm dificuldades em contribuir
para uma sociedade que, segundo crêem, não lhes dá nada
e correm o risco de cair numa espiral de comportamento autodestrutivo e anti-social.
Assim, resulta especialmente penoso comprovar que cerca de 25% dos inquiridos
acreditam ter o direito a ser queridos ? não estando consagrado
em nenhuma convenção aquilo que consideram ser um direito importante,
devemos pensar que se as crianças e os adolescentes carecem de amor,
então os outros direitos não significam nada.
Apesar de tudo, como testemunho da sua resistência e
optimismo, os inquiridos afirmam a sua esperança de construir um futuro
melhor e de contribuir para um mundo melhor para todos; revelam-se preocupados
perante os problemas económicos, sociais e ambientais; e são criteriosos
na identificação da discriminação dos pobres, incapacitados
e pertencentes a grupos religiosos ou étnicos diferentes.
António Baldaia
(pesquisa/adaptação)
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