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José Rodrigues: poeta da condição humana

Referência nas artes plásticas nacionais, José Rodrigues nasceu em Luanda (1936) e concluiu o curso de Escultura (1963) na Escola Superior de Belas-Artes do Porto (ESBAP), onde viria a ser professor e director. Com Jorge Pinheiro (n.1931), Armando Alves (n.1935) e Ângelo de Sousa (1938-2011) constituiu (1963) o grupo Os Quatro Vintes – nome que advém da circunstância de todos terem obtido a classificação máxima nos respectivos cursos e que remete para o então popular maço de cigarros "20-20-20".

Fundador da Cooperativa de Ensino Artístico Árvore (Porto, 1963) e da Bienal de Cerveira (1978), mais recentemente, adquiriu e recuperou uma antiga fábrica de chapéus (Fábrica Social) situada no bairro operário da Fontinha, no Porto, transformando-a num centro cultural e sede da fundação com o seu nome. Inaugurado em 2008, o complexo dispõe de 20 ateliês, salas de exposições, auditório, residências temporárias e restaurante-bar. Foi aí que recebeu a PÁGINA.

A par da actividade artística, que da escultura se estende ao desenho (“o que eu gosto é de transformar histórias em desenhos”), cerâmica, medalhística e cenografia, José Rodrigues foi professor durante muitos anos, até se desiludir: A escola era uma coisa monótona, um sítio de fórmulas repetitivas, e eu sempre recusei isso. A criatividade está acima de tudo, não é?

No entanto, o clique para deixar a Escola de Belas-Artes deu-se quando começaram a tratá-lo por “Mestre”. É verdade. Naquele caso, também era uma fórmula. Não o mestre pedagogo, que desoculta caminhos, que suscita descobertas… Nada disso. Era “ó mestre, ó mestre”… Eles não sentiam nada. Era uma fórmula. Estratificação.

Também por causa das Belas-Artes, há anos que José Rodrigues defende que a Educação e a Cultura devem estar sob a mesma tutela. Sabes porquê? Foi a altura em que a ESBAP se espartilhou. Nós estávamos num ministério único, mas depois, com os arquitectos, desfez-se tudo. Já era um curso superior, mas houve necessidade de criar uma faculdade, e foi o fim. Para mim, foi o fim da Escola.

Já agora, uma questão da actualidade: o que pensa o escultor – para contornarmos o “Mestre” – da passagem das universidades públicas a fundações de direito privado? Se isso corresponder a mais autonomia, apoio. Se é mais um papel, não.

Um gole de água e mudança de assunto. Enquanto criador e agente cultural instalado na cidade do Porto, o balanço que José Rodrigues faz da política autárquica para a cultura é negativo. Porque não é criativa. E uma cidade que não tem a criatividade como modelo, está condenada.

Mas como é que uma autarquia deve/pode lidar com a criatividade? O escultor considera que é preciso dar aos portuenses o orgulho de serem os senhores do seu destino. Tem de ser a Câmara a fomentar esse orgulho de ser cidadão. Ser cidadão é ser senhor do destino, do seu destino.

E sendo certo que isso não se resolve por decreto, haverá alguma pedagogia para a criatividade? Há. Não a proibir. Mas também se levanta a questão de saber o que é criativo e o que não é. Coloque-se à discussão. É fundamental discutir.

Ainda no Porto, é frequente ouvir dizer que a câmara de Rui Rio esvaziou a cidade de cultura – começou por manifestar alguma animosidade relativamente à Casa da Musica, “desmunicipalizou” o Teatro Rivoli e por aí fora – e que a revitalização da Baixa passa, essencialmente, pela animação nocturna na área envolvente dos Clérigos. Pois, é um bocado fogachos… Gostava que fosse uma coisa com mais alicerces, uma coisa mais profunda.

Nessa perspectiva, José Rodrigues considera saudável o movimento das galerias (Miguel Bombarda). Mas diz ter informação de que aquilo é apenas para uma determinada clientela. É preciso criar também um movimento cultural. Se não, abrir galerias só por abrir, não vale a pena! Estão condenadas ao fracasso. Ao contrário, Serralves é muito importante para a cidade. É um pólo dinamizador. Não é só inauguração de acontecimentos, tem lá coisas…

Do Porto para Guimarães, que vai ser Capital Europeia da Cultura. Enquanto artista, e olhando para o que foi o Porto 2001, o escultor espera que Guimarães 2012 deixe ficar uma marca, que não seja uma mera sucessão de acontecimentos. Isso aconteceu em 2001? Acho que o Porto tem marcas: a transformação da Ribeira, a Casa da Musica… Há muita coisa, pá.

E a questão, recorrente, da criação de novos públicos para as artes? Isso é urgente, porque a Arte tem códigos. Tem que se ensinar nas escolas, porque tem de se aprender de pequenino. Só se aprende a falar falando, não é? Nas artes é igual.

O nome do escultor está associado à criação de dois cursos de Arquitectura, na Cooperativa Árvore (Porto) e em Vila Nova de Cerveira. Há alguma relação da Arquitectura com a Escultura? Não. A Arquitectura é para ver por dentro; a Escultura é para ver por fora. É a definição. Eu admitia que, em certa medida, ser escultor também é ser arquitecto, ou vice-versa… Não. Ser homem é ser tudo. O homem é um criador, tem de ser tudo; se não, não vale a pena viver. E se não fosse escultor, gostava de ser arquitecto? Não. Quero ser escultor, porra!

A Fábrica Social é o grande projecto da sua vida? Não, é só mais um, e tenho a sensação de que já não sou capaz de o levar até ao fim. Mas é só uma sensação. Portanto, não o dá como concluído? Vai-se fazendo. Contigo e com toda a gente. Tem algum valor específico o facto de se ter instalado no miolo de um bairro operário? Era uma fábrica em ruínas, e para mim não teve grande discussão, porque a ruína também me fascina. O apelo veio-me da ruína, de pôr tudo isto novamente em pé…

José Rodrigues foi um dos criadores da Bienal de Cerveira. Valeu a pena, pá! Depois ter-se-á afastado, ou desinteressado. Apareceram outros, foi o crescimento. Mas foi coisa pacífica. Agora até me vão fazer uma homenagem [na abertura da 16ª Bienal, julho de 2011].

Para terminar, numa das entrevistas desta edição [A Página da Educação, nº 193] fala-se de solidões – o tema diz-lhe alguma coisa? Para alguns é uma arte, caso do Eugénio de Andrade – a solidão fazia parte da maneira de ser dele. A solidão é uma condição do ser humano e é fundamental para construir, para criar. É isso…

“A obra de José Rodrigues testemunha um artista que é poeta da condição humana” (Fernando Pernes).

 

António Baldaia/A Página da Educação nº 193 – verão 2011 | Imagens: desenho em “O Amoroso”, de José Viale Moutinho (Campo das Letras, 1997) + Inês Negra, Melgaço (foto de Henrique Borges)

 


  
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